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‘Se foi sem completar o sonho dela’: enfermeira morre com coronavírus

Aos 38 anos, Jaqueline dos Santos nunca parou quieta. Desde pequena, quando pintava o sete junto com seus cinco irmãos mais velhos, na hora de organizar as de festas de aniversário e natal da família, ou até quando decidiu trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Seu passatempo favorito com certeza era descobrir coisas novas e se redescobrir. Mãe de Levi, de apenas quatro anos, a técnica de enfermagem e enfermeira foi mais uma das mais de 360 vítimas do novo coronavírus aqui na Bahia.

Desde o dia 26 de abril, quando estava em um de seus plantões da UPA de Periperi – local que ela tinha acabado de começar a trabalhar – surgiu a suspeita de infecção. Como a recomendação manda, entrou em quarentena em casa, onde mora com o pequeno e seu pai, já idoso, no bairro de São Caetano. No dia três de maio, a dificuldade de respirar levou Jaqueline de volta a UPA, mas dessa vez como paciente, onde entrou na sala  vermelha – espaço da unidade médica onde é possível monitorar com mais atenção os sinais vitais do paciente.

Quase 48 horas depois, a enfermeira foi levada para o Hospital Couto Maia, local de referência para o tratamento do vírus em Salvador, e foi imediatamente colocada na UTI 3 do hospital. Pouco tempo antes de entrar, mandou uma mensagem para a irmã, Lúcia dos Santos, de 59, informando que já estava no Couto.

“Ela fazia muita amizade com todos que tinha contato no trabalho. Era uma pessoa muito querida”, contou a colega de profissão, Eula

Segundo Eula Silva, 38, colega de profissão de Jaqueline, a vítima recebeu o melhor tratamento possível dentro do hospital, justamente por sempre ter se dedicado e feito muitos amigos ao longo da curta carreira na área de saúde. Eula afirmou que, ao chegar no hospital, a própria Jaqueline solicitou que fosse entubada. A família soube dessa informação mas não confirmou o fato.

A respiração com a ajuda de aparelhos se manteve por 17 dias, até a morte dela na madrugada desta segunda-feira (20). No tempo que esteve internada, sofreu uma parada cárdio respiratória e falhas no funcionamento do pulmão e dos rins. Até que o corpo não resistiu mais. A irmã de Jaqueline ainda contou que chegou a assinar um termo que permitia o uso da cloroquina no tratamento, mas não sabe se foi aplicada.

Carreira na área de saúde

Depois da formação técnica, ela se dividiu entre as manhãs de estudos em uma faculdade particular de Salvador e as noites de trabalho. Foi quando conheceu Eula, trabalhando nos cuidados caseiros de uma paciente que sofria de sequelas de um AVC. “Foi há uns quatro ou cinco anos que conheci ela. Eu entrava de manhã e ela de noite, depois que saia da aula. O mais triste é que ela morreu sem realizar o maior sonho dela, que era de trabalhar no dia a dia como enfermeira. Uma tristeza”, revelou a colega. A parceria se repetiu pouco tempo depois, onde também trabalharam juntas no Hospital Alayde Costa, em Salvador, antes dela ser aprovada para trabalhar na UPA.

Família

Nascida no Rio de Janeiro, veio ainda adolescente para a capital baiana, e carregou na vida um altruísmo muito forte. Já em Salvador, sempre presente no meio familiar, Jaqueline circulava constantemente entre a casa de Lúcia e de um outro irmão, todos vizinhos em São Caetano. Mas tinha seu lugar preferido: sua casa. “Ela vivia pelo filho dela, é uma tristeza muito grande”, lembrou a colega de trabalho.

“Que desça a alegria dela, que fique a felicidade e a saudade. Ela era uma pessoa muito alegre, sempre esteve disponível para todos e sempre trabalhando”, lamentou a irmã mais velha.

O apreço por cuidar dos outros vem de família, onde, além de de Jaqueline, mais duas irmãs são técnicas em enfermagem, além do sobrinho, formado em medicina.

Mesmo com pouca idade, o pequeno Levi tinha orgulho do trabalho da mãe e sempre ressalta que estava trabalhando no hospital e lutando contra o coronavírus. “A gente sempre fica impressionada com a inteligência dele, ele entende tudo”, completou Lúcia. Na manhã desta segunda, a tia lembrou que, pouco tempo depois de receber a notícia da morte da irmã, foi orientada a ir fazer o teste de covid. No caminho, Levi perguntou se estavam indo buscar a mãe e completou com a frase: “Tia, eu estou sentindo que aconteceu alguma coisa com minha mãe”, revelou Lúcia.

Os problemas da família não terminaram ainda, pois enquanto aguardam o resultado dos testes, esperam notícias do pai de Jaqueline, que está internado no hospital de campanha montado pela prefeitura na avenida Paralela, com suspeita de coronavírus. “Ele ainda não sabe da morte da filha e não sabemos como fazer. Ele é muito apegado a todos os filhos”, concluiu.

 

Fonte: correio24horas

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